sexta-feira, 22 de julho de 2011

O conto do índio errante

Gustavo Ferrari/Desenchantè
Jerônimo prestou concurso público para auxiliar de almoxarifado numa prefeitura do Estado de São Paulo e comemorou quando leu seu nome no jornal: era o quarta da lista, num total de 912 candidatos.

Após duas semanas da aprovação, eis que surgiu um problema: o prefeito da cidade fora informado pelo secretário de Recursos Humanos que as nomeações não poderiam ser realizadas devido a um remanejamento orçamentário da pasta.

Frustrado, Jerônimo comentou com os colegas da roça: "Venci um desafio enorme, que foi deixar os Wapixanas, para chegar até aqui, terminar o primeiro grau, estudar, prestar o concurso, passar, e perceber que de nada valeu".

Os companheiros do campo notaram a decepção estampada no rosto do franzino índio. Porém, faltavam-lhes discernimento para entender que todos os 912 candidatos haviam sido enganados pela prefeitura. O fato é que o concurso público existiu no papel, mas nunca sairia dele. Nem os salários do funcionalismo eram pagos em dia pelo prefeito. A cidade atravessava uma enorme crise financeira.

Sem saber o que fazer, Jerônimo se viu num dilema: permanecer com a enxada na roça ou voltar para a aldeia em Roraima. "Não seja bobo. Fique conosco", ouviu de Marina, a proprietária da venda que acostumava frequentar todos os dias no final do expediente.

Quatro noites em claro foram suficientes para Jerônimo tomar uma decisão. Seus pensamentos o remetiam ao passado, à infância, aos conterrâneos, a toda uma família deixada para trás. "Vou voltar. Não consigo permanecer aqui, após ter sido enganado por esse prefeito bandido", disse aos amigos.

Na rodoviária despediu-se com um abraço apertado. Segurava na mão direita uma gloriosa amarela e o terço feito de madeira, ambos presentes de Marina. Acomodou-se no assento de número 23. Era o início dos 4.740 quilômetros.

by Gustavo Ferrari

sábado, 16 de julho de 2011