sábado, 16 de agosto de 2008

Stress, basta!

Erick Pinheiro/David Lynch em SP
Nem anões embalados ao som do jazz, em cenário de cortinas
vermelhas (Twin Peaks), nem coelhos orelhudos, que permanecem mudos
enquanto o público se diverte com gestos grotescos extraídos de um
pesadelo, com mensagem subliminar (Império dos Sonhos).

A última quimera do cineasta e diretor norte-americano David Lynch - o primeiro encontro no Brasil - não teve personagens esquisitos e esquizofrênicos, erotismo ou violência gratuita. Mas foi engraçada!

Na semana passada, ele lotou o auditório da Livraria Cultura, em São Paulo, para conversar com a imprensa e com os inúmeros fãs, que portavam a obra Em Águas Profundas para ser autografada pelo ‘mestre do cinema bizarro hollywoodiano’. Foi indicado três vezes ao Oscar, mas nunca ganhou a estatueta.

Praticante da meditação transcendental há 33 anos, Lynch veio ao Brasil pregar a consciência e a paz mundial. A fundação que mantém o seu nome tem distribuído milhões de dólares em bolsas para estudantes que se interessam em aprender a técnica. “Com ela é possível reduzir os níveis de estresse nas escolas e, consequentemente, os problemas de um país”, disse, durante o descontraído bate-papo com o público.

Aos 62 anos, o cineasta e autor de O Homem Elefante, Veludo Azul, Cidade dos Sonhos e Coração Selvagem, entre outros, demonstra afinidade com a cultura brasileira. Em 1997, quando fez Estrada Perdida, utilizou a música Insensatez, de Tom Jobim. “Ultimamente, tenho ouvido apenas as músicas de meditação do Donovan”, brincou. “Mas gosto muito da criatividade dos músicos brasileiros”, enfatizou.

Donovan tornou-se uma espécie de guru para o cineasta. Famoso na década de 60 pelos hits Hurdy Gurdy Man e Mellow Yellow, o músico escocês e professor de meditação de Lynch conheceu a técnica quando visitou a Índia, ao lado dos Beatles, em 1968. Foi lá que conheceu o hindu Maharishi Mahesh Yogi, a quem pertence a dedicatória de Em Águas Profundas.

Ao ser questionado por um fã, se a meditação transcendental ajudaria a entender um pouco os filmes que faz, Lynch foi incisivo. “Claro que sim! Ela melhora a atividade artística”. E emendou: “vivemos em um superfície da vida. Antigamente, questionavam-se as coisas materiais, como as moléculas, os átomos, as partículas menores. Aos poucos, foi se descobrindo as forças que atuavam sobre as partículas. Com isso, chegou-se ao campo unificado, capaz de envolver todas as forças de criação, de contentamento infinito”, ressaltou.

A Ciência Védica, defendida por Lynch dentro da meditação transcendental, é realizada através de fórmulas matemáticas precisas. “O potencial do ser humano é a iluminação, a inteligência, a criatividade infinita. Com a sua prática, todo o ódio, a raiva, o medo, a insegurança se dispersam. É um alívio ao estresse do dia-a-dia”, destacou.

Kubrick

O cineasta não quis dizer qual dos seus filmes gosta mais. Mas elogiou um antigo colega de profissão: Stanley Kubrick. “Lolita, de 1962, é um dos meus prediletos”, afirmou, após ser questionado por outro fã. “Meus filmes são como crianças pequenas. Uma é diferente da outra”, justificou, ao não responder a pergunta.

Para ele, o cinema atual carece de criatividade. “A negatividade é o inimigo da criatividade. Se houvesse mais meditação, haveria mais filmes criativos. A paz verdadeira não é só a ausência de guerra. É a paz interior”, argumentou.

Sobre os comerciais que faz com frequência para a televisão norte-americana e os curtas, Lynch deu um recado. “Merchandise em filme putrifica o ambiente. Há muitos no cinema hoje em dia. Isso não é bom. Mas, preciso sobreviver. É um trabalho como outro qualquer na minha área”, salientou.

Roteiro

Segundo Lynch, um bom roteiro cinematográfico é feito de acordo com a realidade existencial de quem o produz. “O artista precisa entender sobre o sofrimento, mas não precisa sofrer. O roteiro é como pescar. Você desenha mentalmente o peixe e realiza a pescaria. O desejo puxa uma idéia. Depende da própria consciência. Um dia chegará o peixe pequeno que tanto adora e ama. Fazer cinema é traduzir a idéia e a maneira como se vê esse peixe”, falou aos jornalistas.

Trabalhar as idéias é uma das características que Lynch tanto gosta de enaltecer. “É nos ensaios que elas se afinam. Não faço testes com atores. Simplesmente converso com eles e vejo quem se encaixa nos elementos do roteiro. Um filme é feito de tantos elementos que você quer que se encaixem corretamente. Sempre me pergunto: ‘por que tantas idéias’?”, finalizou.

by Gustavo Ferrari