segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Tiro pela culatra

A participação do deputado federal Renato Amary (PSDB) na propaganda eleitoral televisiva de Hamilton Pereira (PT), com ataques ao candidato de seu próprio partido, Vitor Lippi, repercutiu intensamente na cidade e suscitou uma reação imediata dos sorocabanos - mas, a julgar pelas manifestações de lideranças e eleitores (muitas delas encaminhadas a este jornal, nos últimos dias), o efeito obtido foi exatamente o contrário do que Amary e Hamilton, aparentemente, pretendiam alcançar.

As reações foram ainda mais fortes, na medida em que se percebeu claramente que o que levou Amary a sobrepujar o antagonismo histórico com o PT de Sorocaba, e vice-versa, não foi aquela largueza de visão que, nos momentos cruciais da vida de um país ou uma cidade, faz com que inimigos políticos sufoquem as próprias mágoas e se dêem as mãos. Amary não conseguiu evitar que seu gesto fosse visto como uma cruzada pessoal contra o prefeito Lippi, ao passo que Hamilton foi criticado por sacrificar o pouco que restou de identidade própria ao PT sorocabano.

Em defesa de Amary, é preciso dizer que ele talvez tivesse permanecido afastado, depois de deixar claro que não concorda com o estilo e as atitudes de seu sucessor, se a coordenação de campanha de Lippi não tivesse desenterrado um vídeo da propaganda televisiva de 2004, em que Amary pedia votos para Lippi e falava de suas qualidades. O vídeo foi reapresentado - segundo consta, sem autorização do deputado - logo no primeiro dia da atual campanha tucana, e exacerbou a animosidade entre os dois, que, sabidamente, já não era pequena.

Amary, porém, não se contentou em esclarecer que não autorizara a exibição do vídeo, e partiu para o ataque. Até agora, os sorocabanos - e, entre eles, boa parte dos eleitores e admiradores do ex-prefeito - tentam entender como um homem público reconhecidamente habilidoso, que conseguiu construir um dos maiores cacifes políticos individuais da história recente da cidade, pôde imaginar que seu gesto de ir para a TV, no programa de uma coligação adversária, para criticar o candidato de seu partido, seria bem recebido. As tentativas de negar que tivesse havido combinação com o PT para exibição das imagens só pioraram a situação.


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A vida democrática pressupõe uma grande tolerância à dissidência e um inalienável direito à informação. Sempre será possível argumentar que Amary tem o direito de se manifestar livremente sobre a figura pública de Lippi, e que Hamilton - como o petista chegou de fato a alegar - nada mais fez do que permitir que a população recebesse uma informação importante sobre o candidato-prefeito. O que esses dois políticos tarimbados devem estar percebendo agora é que o direito à informação e à livre expressão do pensamento, por mais importante que seja, não dispensa o respeito à ética - e não nos referimos à ética partidária, que tem seu foco voltado para a supremacia do partido, mas à ética social, que tem na lealdade, na transparência, no respeito à diversidade, na aceitação das regras do jogo (sejam elas a lei de trânsito ou um estatuto partidário) alguns de seus principais alicerces.

Ao unirem forças no vídeo contra seu adversário em comum, Renato Amary e Hamilton Pereira cruzaram a fronteira que separa a política agressiva, porém inteligente e ética, do vale-tudo que o povo brasileiro está cansado de ver. E, assim procedendo, semearam a desconfiança de que deixaram que seus projetos pessoais se tornassem mais importantes do que os partidos sem os quais dificilmente seriam o que são, ou a comunidade que afirmam querer servir.

Se os prejuízos que eles próprios se impuseram com sua intempestividade poderão ser revertidos, só o tempo dirá, mas está claro que tanto o PT de Sorocaba quanto Amary precisarão retroceder muitos passos, para tentar reencontrar a referência e o feeling perdidos em meio à tempestade da campanha eleitoral.

Editorial do Cruzeiro do Sul de 28 de setembro