domingo, 12 de julho de 2009

O dia em que segui o mestre

Conti e Talese: aplausos na Tenda dos Escritores
Gay Talese caminha apressado. Puxa a esposa, Nan, de braços dados em direção à Igreja Matriz Nossa Senhora dos Remédios, no centro histórico da histórica Paraty, Rio de Janeiro.

O calçamento irregular da cidade, formado por pedras 'pé-de-moleque', não dificulta os passos noturnos do jornalista e escritor norte-americano de 77 anos, estrela da 7.ª edição da Festa Literária Internacional (Flip).

Quatro minutos foi o tempo que levou da pousada onde estava hospedado ao assento localizado na segunda fileira de bancos à direita da entrada principal. Não perderia, às 20h30, uma seleção de Choros, que incluía Pixinguinha, Benedito Lacerda e Ernesto Nazareth, executados pelo quinteto Kaleidos.

"O importante para um repórter é vivenciar fatos, presenciar fatos, contar fatos. Repórter precisa contar o que vê", ensina.


Painel = Bandeira

A maratona de Talese, no penúltimo dia da festa, começou cedo. Logo pela manhã, recebeu repórteres e estudantes na porta da Pousada Ouro. Sugeriu dicas, deu orientações, contou curiosidades da carreira e deixou um recado: "Escrever não é um jogo de produtividade, mas de qualidade, de algo que se possa ler com o passar do tempo e que continue relevante". O mestre do 'new journalism' foi aplaudido.

Duas horas antes da mesa 'Fama e Anonimato' começar,- que traria o editor da revista Piauí, Mario Sergio Conti, fazendo perguntas a Talese -, fãs do escritor, autor de livros como 'A Mulher do Próximo', 'Honra Teu Pa' e 'O Reino e o Poder - Uma história do The New York Times', buscavam ingressos remanescentes para assistir a apresentação na Tenda dos Autores.


Essa cena fez-me lembrar o Slava

Diferentemente dos anônimos, atrizes globais como Cissa Guimarães, Malu Mader, Regina Casé e Betty Gofman não enfrentaram filas: tinham lugares reservados nas principais cadeiras. O mesmo aconteceu com o humorista Claudio Manoel, interprete do personagem 'Seu Creysson', do também global Casseta e Planeta, e a ministra do Supremo Tribunal Federal (STF), Cármen Lúcia.

Anônimos

Vestindo um terno creme alinhado, com colete impecável e gravata amarela,- o segundo conjunto do dia -, Talese respondeu aos questionamentos de Conti por uma hora. Narrou fatos que marcaram a sua vida enquanto repórter das revistas Esquire, The New Yorker e do jornal The New York Times.


Talese autografa diversos livros

"Procuro a integridade em meus textos. Sou um observador acima de tudo", disse, logo no início, após responder a primeira pergunta de Conti, sobre o fato de ser filho de pais italianos, que cultuavam o ditador Benito Mussolini, mas viviam em Nova Jersey, Estados Unidos, um país contrário aos ideais italianos na Segunda Guerra Mundial.

"Meu pai era alfaiate e minha mãe o ajudava na loja que tinha. Vendia roupas. Aproveitei a infância para ouvir histórias contadas pelas clientes que lá estiveram, pois meu quarto ficava no segundo andar dessa loja. Meus pais eram diferentes durante o dia e a noite: na loja, eram a favor dos americanos, mas, em casa, eram totalmente italianos. Só falavam em italiano", ressaltou, lembrando: "Foi assim que descobri o valor do depoimento de pessoas anônimas, referindo-se às clientes que frequentavam a loja. São as pessoas anônimas que contam histórias verdadeiras".

Escritor de vidas

Na 7.ª edição da Flip, Talese trouxe ao Brasil sua recente obra: 'Vida de Escritor'. Nela, o jornalista, conforme conversa com Conti, descreve fatos que marcaram a carreira.


Tenda dos Autores vista à noite

"Já escrevi sobre variados temas: sexo, máfia, jornalismo, Frank Sinatra, Mohammed Ali, futebol, uma mulher que cortou o pênis do marido... às vezes, notícias são muito óbvias. Sou um defensor da não-ficção".

Em 'Honra Teu Pai', publicado em 1971, o escritor conta como foi reproduzir a história da máfia americana da família Bonanno. "Levo anos para conhecer as pessoas. Em média, demoro dez anos para escrever um livro. Bill Bonanno confiou a sua história em mim e nunca fiz algo que traísse essa confiança. Tudo o que ele descreveu, reproduzi com fidelidade. Essa quebra nunca pode existir".

A Conti, Talese expôs a reportagem que fez sobre a mulher que cortou o pênis do marido, John Wayne, então fuzileiro naval, e que acabou sendo recusada por uma editora.

"Quando recebi a informação fui atrás da tal mulher, Lorena Bobbitt. O problema é que, para chegar-se até ela, tive que procurar um agente, porque a mulher havia se transformado em celebridade. Passei meses apurando essa história, que acabou não sendo publicada". No início de carreira, completou o jornalista, diversos textos que escrevera foram recusados.


Constrangimento

Festa literária 'assusta'

Na última pergunta ao jornalista, Conti quis saber sobre o livro que Talese está escrevendo, em referência aos 50 anos do próprio casamento.

Fez uma indagação, questionando se o autor não iria expor a mais humilhações a esposa Nan, como o fizera em 'A Mulher do Próximo', de 1980, quando passou a frequentar bordéis para escrever sobre o tema 'prostituição'.

Incomodado com a questão, o escritor foi direto: "A abordagem desses assuntos é uma coisa complicada. Espero tratá-la com 'decência' e 'fidelidade'. Isso é tudo que tenho a dizer". Novamente recebeu aplausos.


Aglomeração: Tenda dos Autores

Com a mesma elegância e pose que tivera durante a entrevista com o editor da Piauí, Talese deslocou-se para a Tenda dos Autógrafos, local que o esperava para retribuir o carinho recebido na cidade histórica. Filas se formaram em busca de sua assinatura.

Em seu penúltimo compromisso do dia, o jornalista e escritor autografou livro por livro, sorriu para fotos, posou ao lado dos fãs. Em meio a um ou outro gole de água, voltava a sorrir. Transpirava felicidade. O suor que escorria à lapela do paletó parecia não incomodá-lo.


Talese e Nan rumam à igreja

Incansável, Talese,- que para a média de público presente à Flip, com faixa etária entre 30 e 40 anos, parecia um 'papai/vovô' -, se divertia com a situação.

Antes de seguir rumo à igreja, para assistir a seleção de Choros do quinteto Kaleidos, precisava voltar à pousada. Era a última troca de terno do dia.




by Gustavo Ferrari