terça-feira, 15 de junho de 2010

O mago das imagens premiadas

Erick Pinheiro/Entrevista no Museu da Imagem e do Som
Da janela de seu apartamento, localizado em Manhattan, Nova York, Estados Unidos, Steve McCurry presenciou, a três quarteirões de distância, o símbolo do capitalismo norte-americano ruir diante dos próprios olhos.

Acostumado a cobrir guerras e catástrofes naturais, o 'papa' do fotojornalismo da Revista National Geographic não pensou duas vezes: pegou a sua câmera e registrou o que foi sobrando das torres gêmeas.

Era 11 de setembro de 2001. Era o fim do World Trade Center. "Acordei com um telefonema. Confesso que não acreditei no que via. Uma sensação horrível."

Membro da elitista Agência Magnum desde 1986, fundada por ninguém menos que o francês Henri Cartier-Bresson, morto em 2004, McCurry estudou cinematografia na Universidade do Estado da Pensilvânia, em 1968.

No entanto, acabou se formando em artes cênicas e graduou-se em 1974. Se interessou pela fotografia quando começou a produzir imagens para um jornal de sua universidade, o The Daily Collegian.

O americano começou a sua carreira de fotojornalista cobrindo a invasão soviética ao Afeganistão. Para isso, utilizou vestimentas típicas para se disfarçar e esconder seu equipamento.

Suas imagens estavam entre as primeiras do conflito e por isso foram largamente publicadas. McCurry continuou a fotografar conflitos internacionais no Afeganistão (onde esteve mais de 30 vezes) e em outros países como Camboja, Filipinas, Líbano, além do Irã-Iraque e também no Golfo Pérsico.

O drama humano - principal marca de seus registros em campo - chama a atenção pelo contraste de cores, ao mesmo tempo em que é carregado de sofrimento, tristeza e emoção.

Capturar a essência e a condição do homem é o que McCurry busca nas imagens. Ele observa o fotografado e espera pelo momento em que "a alma da pessoa é revelada", seja pela expressão, pelo olhar ou pelas ações.

Além de regiões em conflito, o 'papa' do fotojornalismo percorreu e explorou países exóticos, que lhe renderam belas fotos, como Índia (onde esteve 90 vezes), Nepal, Vietnã, Iêmen, Camboja, Paquistão (onde morou por dois anos) e Filipinas.

Mas foi com a célebre imagem da menina afegã de olhos verdes Sharbat Gula, então com 13 anos de idade, em 1984, fotografada num acampamento de refugiados em Nasir Bagh, no Paquistão, que McCurry ganhou notoriedade.

A foto, capa da National Geographic, publicada em junho de 1985, rendeu-lhe fama, respeito, e mais trabalho.

Aos 60 anos de idade e com um currículo invejável, que inclui prêmios como a Medalha de Ouro Robert Capa, o Magazine Photographer of the Year, o Oliver Rebbot e o World Press Photo, McCurry esbanja carisma e paixão pelo que faz.

Humildade e técnica são duas de suas qualidades. Ele é o único fotógrafo a utilizar a última geração de filmes Kodachrome, produzido apenas no formato fotográfico 35mm, em ISO 64, cuja produção encerra-se em novembro deste ano.

Devido à complexidade do processo de revelação, apenas um laboratório no mundo oferece esse tipo de serviço, o Dwayne’s Photo, em Kansas, EUA.

Minutos antes de palestrar para um respeitável público, formado em sua maioria de fotojornalistas, no projeto Grandes Mestres da Fotografia, que lotou o auditório do Museu da Imagem e do Som (MIS), na nobre avenida Europa, coração dos Jardins, São Paulo, em dia 20 de maio, - sua quarta estada em território brasileiro -, McCurry concedeu entrevista ao Cruzeiro do Sul.

Assim como na palestra, falou sobre a Índia, seus desafios, sua carreira:

O início

"Comecei a minha carreira fotográfica na Filadélfia, Estados Unidos, trabalhando em um empresa na repartição de cartas. Tinha 19 anos e percebi que havia um mundo a ser descoberto. Me inspirei a viver na Europa durante um ano e depois quis continuar viajando. Decidi voltar à escola e fazer fotografia."

National Geographic

"Fui a primeira vez para a Índia, em 1978, e trabalhei mais de 90 vezes lá. A viagem era para durar seis semanas, mas eu me entusiasmei e permaneci por dois anos. De lá fui para o Nepal e Paquistão. Quando retornei aos EUA fui para a National Geographic. Eles me deram um compromisso, pois sou uma pessoa muito insistente. No fundo, penso que ficaram com pena de mim. O meu compromisso com a National era de três meses, mas eu levei sete meses para concluir o trabalho. Foi muito difícil. O pior foi que a história nem chegou a ser publicada. Mesmo assim, o pessoal da revista fez questão de me pagar. Fiquei deprimido. O pagamento foi feito via correio. Quando abri o envelope, com o cheque, vi que havia algo errado. O acerto pelo trabalho era de US$ 3 mil, mas me enviaram US$ 30 mil, mesmo com a história não sendo publicada. Me disseram: 'Você não quer ir para Bombai (atualmente Mombai), na Índia?'"

Histórias da Índia

"A foto que mais me marcou foi de uma mãe junto de sua filha pedindo esmola na janela do táxi que estava, em Bombai (Mombai). Essa foi a que liderou minha carreira. Outras foram de templos religiosos. Cheguei a ficar mais de duas horas, estático, para fotografar fiéis orando em uma árvore. Em outra situação, permaneci por quatro dias em uma vila inundada, localizada em uma área suja e nojenta, em um vilarejo. Outra foto marcante foi a de um alfaiate, que voltou para 'salvar' a sua máquina na inundação. Ele me viu e sorriu para a câmera. Essa foto foi capa da National Geographic, em dezembro de 1984. Não me cansei de fotografar o Taj Mahal. Sempre busquei registrá-lo sob um ângulo novo, diferente. Queria mostrar como era a vida do indiano em volta do templo. Uma história que me recordo bem foi a viagem de trem atravessando a Índia, Bangladesh e o Paquistão. Queria mostrar como o trem passava rente ao Taj. Consegui enquadrar o trem e o templo no mesmo quadro. Em outra situação, no mesmo trem, consegui pegar uma foto em que a tripulação serve café da manhã pela janela de um vagão ao outro. Fiquei quatro meses nesse trem. Gosto de fotografar as pessoas dormindo em lugares variados. Fiz várias fotos assim em Calcutá. Em março deste ano fotografei um festival na Índia. Foi a maior reunião humana na história do mundo. Reuniu 20 milhões de pessoas, que chegaram durante meses para o evento. O engraçado é fotografar e não compreender os rituais, principalmente porque lá se fuma muito haxixe."

Steve McCurry/Sharbat Gula 1984

Marca do olhar

"Sharbat Gula era uma menina em que a dor estava visível em seus olhos. Ela estava meio acanhada, tímida, assustada. Resolvi ficar uns cinco minutos fotografando outra refugiada, no acampamento. Fiz isso com outras pessoas. Até que consegui sua confiança. Foram horas tirando fotos naquele local. Consegui pegar a expressão que queria do rosto da jovem. Uma foto inesquecível, que fala por si. Depois que a matéria saiu na National Geographic, recebi milhares de cartas de pessoas que queriam adotá-la. Outras pessoas queriam casar com a menina. Em 2001, voltei ao Afeganistão. Queria encontrá-la novamente. Uma mulher chegou a me convencer de que ela era a pessoa da capa da revista. Depois de muito procurar, apareceu um rapaz que dizia conhecer o irmão dela. Dezessete anos depois, em 2002, finalmente encontrei Sharbat. Estava casada e com filhos. Fiz uma nova foto, que também rendeu capa da National. Uma escola foi construída às pessoas refugiadas, em homenagem a foto. Tenho uma satisfação muito grande por isso."

Cores

"Não sou um fotógrafo de cores. O que me interessa é registrar a vida, o drama. Se tirar as cores das minhas fotos (deixá-las preto e branco), mesmo assim elas continuarão vivas, fortes. Não gosto de fotografar em ambientes na contraluz. Gosto de fotografar o ambiente em que as cores revelam uma situação. Muitos fotógrafos trabalham em preto e branco, porque a cor, às vezes, distrai a emoção. Mas é possível fotografar e ter prazer. O fotógrafo não deve explicar a foto. Ela (a foto) deve falar por si. Se você quiser mais explicação, então deve ser escritor, não fotógrafo. Sempre sinto que posso contar a história de uma forma visível. Ninguém que chegou no nível da National Geographic precisa escrever legenda para uma foto."

Desafios

"Todo dia para mim é um novo desafio. Procuro criar algo novo, trabalhar em um nova situação. Uma história tem que vir de dentro; tem que ter um significado para você. Isso é um desafio. A rota da cocaína, na Bolívia, Colômbia, é uma história impossível de ser fotografada. Um amigo tentou fazê-la, mas não conseguiu. Os próprios traficantes não acreditaram que ele era um repórter da National Geographic. Uma foto curiosa que fiz foi de um homem se esquentando do frio com fogo, dentro de um árvore. Já em Mandalay, Mianmar, fiz foto de homens equilibrando uma pedra. Nessa ocasião, chegaram a me oferecer uma cobra como alimento. Mandaram eu ao Paquistão. Lá, cheguei a ser preso duas vezes. Na primeira vez, fiquei cinco dias no cárcere. Colocaram correntes nas minhas pernas. Era proibido fotografar no local em que estava."

Tristes lembranças

"Certa vez fiquei emocionado com uma criança que não conseguia caminhar de forma ereta. Ela me viu e perguntou se eu não queria tomar café na casa dela. Isso serviu de inspiração. Tratava-se de uma pessoa que nunca teve nada na vida, a não ser disposição. Eu acho que cobrir situações de miséria, em lugares onde isso aconteça, como catástrofes, é algo que o fotojornalista deve almejar, sempre. Não posso sofrer com o que vejo. Eu vejo tragédias, dramas, dores envolvendo pessoas, animais... Vejo pessoas tentando entender o que acontece, sendo que nem elas sabem o por que passam por certas situações, situações extremas. No Peru, fiz uma foto de crianças torturando um garotinho. Ele tinha até uma arma de brinquedo. Um dos trabalhos mais importantes que fiz, porém triste, foi a explosão de mais de 600 postos de óleos na Guerra do Golfo, em 1991."

Steve McCurry/Shaolin Monastery 2004

Lição

"Pensei como seria diferente minha vida se tivesse vindo essas vezes ao Brasil (referindo a quantidade de vezes em que esteve na Índia). Conheci o Rio de Janeiro e fiz uma lista de histórias que pretendo registrar no país. É um lugar incrível. Tem muitas paisagens, uma geografia excelente, assim como a cultura. Um lugar único, bem diferente dos outros do mundo. Minha família entende o que faço. Nunca questiona onde e quando vou, nem quando volto. Cresci numa família muito religiosa, mas o budismo me ensinou a ter compaixão, a respeitar as pessoas, a ter paz. Essa é a grande lição que aprendi."

Galerias de fotos do entrevistado podem ser conferidas em www.stevemccurry.com.

by Gustavo Ferrari