Gustavo Ferrari/Vamos reurbanizar SP?
O bom jornalismo morre, lentamente. Não sou eu quem afirma isso, mas sim os grandes mestres da profissão. E concordo plenamente com eles, pois vivo e tenho acompanhado, diariamente, a preparação desse sepulcro.
Segundo o diretor-adjunto do diário espanhol El País, Juan Cruz, que está em São Paulo participando do 1º Congresso de Jornalismo Cultural, na PUC, o jornalismo morre por culpa, principalmente, dos editores, que preferem se garantir na profissão apoiando-se no que eles acreditam ser "mais fácil": apostar no que já foi ou é bom e conhecido.
Trocando em miúdos, o que Cruz diz é que o medo de mudar o que se acostumou a fazer durante anos tem provocado a falência das reportagens, ou seja, inibe-se a audácia em busca do bom jornalismo.
À Folha de São Paulo, que o entrevistou, argumentou o seguinte: "Muitas vezes vejo que nem sequer há a preocupação de atribuir crédito a quem dá a informação. Os jornais estão cheios da palavra 'fonte', de origem não identificada".
Os veículos vivem de anúncios. Você anunciaria em um jornal, cujo conteúdo é duvidoso, mal escrito, mal redigido, mal apurado, e, com algumas incertezas, em termos de qualidade?
Ai, que saudade!
A Lei de Imprensa já era. Que novidade! Na era da Internet, basear-se na referida lei era juntar substâncias amorfas e transformá-las em esqueleto visual. A partir de agora, segundo alguns juristas, abriu-se um vácuo jurídico em relação ao direito de resposta concedido a quem se sentir injustamente atingido pelo noticiário, cujas regras detalhadas estavam contidas na lei.
Para o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, o direito de resposta trará problemas aos juízes de primeira instância que forem tratar do tema, pela falta de regras claras. Que bom, pelo menos ele foi honesto em ponderar isso durante a votação.
Mas, afinal de contas, como fica a vida do profissional jornalista a partir de agora? Já que não há mais censura prévia (que bom!), haverá liberdade para se escrever o que bem desejar? E o direito assegurado de preservação da fonte, como fica? Ditadores...
Falido
Em seu último artigo, o professor Carlos Alberto Di Franco escreveu o que a maioria dos brasileiros acredita: o Congresso Nacional não serve para nada! E não serve mesmo!
Para Di Franco, o combate à corrupção deve ser uma bandeira permanente. "Para isso, em primeiro lugar, é preciso fugir do jornalismo declaratório e investir pesadamente na metodologia da dúvida. Interrogar e duvidar é um dever profissional elementar, sobretudo quando se cobrem assuntos de interesse público".
Di Franco e Cruz, ambos espanhóis, parecem dividir a mesma opinião: "Os leitores não querem um jornalismo insosso e incolor. Querem uma mídia comprometida com a verdade. Tal compromisso, como é lógico, reclama, muitas vezes, uma informação que desemboca na denúncia consistente".
Novamente, volto a escrever: então, se as redações fazem um jornalismo ineficaz, medroso, covarde, fantasioso, de quem é a culpa? Eu chuto: dos editores! Não são eles que apontam e indicam as contratações de uma redação, digo, editoria? Ou serão das faculdades/universidades, que não estão preparando, adequadamente, os profissionais jornalistas? Fico com a primeira afirmativa.
Em seu artigo "O dever da denúncia", Di Franco, como sempre, termina dando uma aula aos editores: "Declaração não é ponto de chegada. É ponto de partida. É pauta. Precisamos ver e confrontar a realidade com as promessas. Sem isso, o jornalismo deixa de ser socialmente relevante".
As promessas que ele se referiu são, obviamente, àqueles feitas pelos políticos em épocas de campanha, em propostas governamentais, que nunca, sequer, foram ou serão cumpridas, obviamente na realidade da redundância.
Fodendo o cão
Aprendi essa expressão em Prado, no litoral sul da Bahia, em 2000, durante minha viagem a Abrolhos. Literalmente, quer dizer: "aqui, ninguém passa fome". Resolvi escrevê-la porque acho que o jornalismo de hoje em dia está anêmico, ou melhor, os leitores estão famintos de informação, mas os repórteres não conseguem caçá-la. Vejo isso em Sorocaba, onde trabalho e atuo, diariamente, nas ruas. Sempre refaço ou reescrevo textos de companheiros. Que lástima!
O mestre americano do 'new jornalism', Gay Talese, acredita estarmos vivendo um momento de incerteza por conta da fragilidade de alguns veículos. Ele refere-se ao jornalismo impreciso que é produzido atualmente. Dá como exemplo o New York Times, que está à beira da falência. "Vários erros foram cometidos ali. O principal deles foi terem aberto seu conteúdo online", disse, em entrevista à Folha.
Imagina, então, como os veículos do interior não comentem erros. Se o New York Times cometeu, o que dirão dos demais?
Talese rechaça a velha premissa, que todos estão cansados de saber, mas não cumprem: "buscar a verdade é a essência do jornalismo. Só que essa busca custa caro. É preciso pagar o repórter, suas contas, suas viagens, seus telefonemas e até a imensa quantidade de tempo que se perde atrás de pistas falsas".
Mas, para chegar-se à essa conclusão, Talese partiu do princípio de que uma redação conta com repórteres capazes de levantar e publicar uma matéria, sem inverdades ou subterfúgios. É por falta deles (repórteres) que os jornais mundiais estão em declive. Repórter bom, atormenta, como diria o também mestre, Ricardo Kotscho.
Vira-vira de SP
Termino este artigo falando sobre a Virada Cultural Paulista, que aconteceu neste final de semana, em São Paulo. Só consegui compreender o que realmente o governo do Estado pretende com esse evento após ler um artigo do professor e secretário da Cultura estadual, Carlos Augusto Calil, na Folha, no dia 1 de maio.
Calil diz que o evento tem como principal objetivo "reurbanizar", pelas pessoas, o centro da cidade. "O que o processo da Virada Cultural nos ensinou é que o centro é o território a ser ocupado simbolicamente por todos os habitantes da cidade, pois todo morador tem duas referências: o seu bairro e o centro".
Então, o negócio é outro. É ocupar, culturalmente, se assim podemos expressar, o referido centro, pois espectador é o que nunca irá faltar em eventos gratuitos, não é mesmo? Não importa a qualidade deles.
Não seria mais humano e mais educador, em termos de cultura, deixar de pagar cachês altíssimos a nomes como Maria Rita, Wando, Reginaldo Rossi e companhia, e levar oficinas culturais aos principais bairros carentes da cidade? E quem sabe, com o que sobrar desse 'montante', dar um banho de limpeza nos cartões postais da capital?
Fico pensando: como se engana, facilmente, as pessoas nesse país. E o pior: com mídia e tudo! Por isso é que os mestres citados acima têm razão: o leitor/cidadão que se ferre!
E você, possui nome na lista?
by Gustavo Ferrari