Caminho da escola/Emídio Marques
Mais de 30 passageiros foram obrigados a descer do ônibus 131 da Transportes Coletivos de Sorocaba (TCS), em um ponto da avenida Itavuvu (Zona Norte), para que o motorista Wedson Santos da Silva, 27 anos, levasse o casal de irmãos adolescentes L.P.R., 15 anos, e D.P.R., 14 anos, à delegacia. Sem dinheiro para o passe, a dupla 'pulou' a catraca do circular que faz a linha Vila Fiori-Habiteto e foi flagrada pelo agente de bordo. A delegada Silvia Elmara Monteiro registrou a ocorrência como ato infracional.
À delegada, os menores disseram que 'pularam' a catraca porque não tinham passe, nem dinheiro para comprá-lo. Não conseguiram dos órgãos públicos o direito de receber gratuitamente o benefício. Os dois estudam na Escola Estadual 'João Clímaco de Camargo Pires', na Vila Fiori, e caminham todos os dias 5,4 quilômetros da rua Encarnação Prado, no Jardim Santa Luiza, onde residem, para a escola. Acordam às 4h e saem de casa às 5h. Entram às 7h para estudar.
"Estávamos cansados para voltar a pé. O único jeito era pular mesmo", disse L.P.R. Segundo ela, houve agressão verbal do fiscal de bordo. "Ele gritou com a gente, mesmo quando alguns passageiros quiseram pagar a passagem. Mandou fechar as portas para a gente não sair", salientou. Ela estuda na 1.ª série do ensino médio. Já o irmão D.P.R. está matriculado na 8.ª série do ensino fundamental. "O motorista disse que a gente não tinha vergonha na cara", acrescentou o jovem.
Às 12h30 da última terça-feira, a dupla deveria estar no seu lar. Como não chegou, a mãe e dona-de-casa Tânia Pereira da Costa, ficou apreensiva. Às 14h30, um escrivão da delegacia ligou e informou sobre o ocorrido. Tânia negou ir buscá-los na delegacia. "Eles não são bandidos nem marginais", afirmou ao policial, ainda no telefone. Acionado pela delegada Silvia, Paulo Aparecido de Souza, do Conselho Tutelar, levou os menores para casa.
Tensão e equívoco
Na delegacia, L.P.R. descreveu à reportagem do Cruzeiro do Sul que os policiais chegaram a acalmá-la, pois estava tensa. "Chorei bastante. O motorista deixou a gente sozinho no ônibus por 10 minutos. Fiquei muito assustada", destacou. Segundo o promotor da Vara da Infância e da Juventude, Antônio Domingues Farto Neto, a forma como a ação aconteceu não foi a correta. "O motorista deveria ter acionado a Guarda Municipal e não solicitado aos passageiros que descessem do ônibus; muito menos, deveria ter levado os menores à polícia. É a GM que deveria ter feito isso, acionando o Conselho Tutelar", frisou.
A Urbes também informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que o procedimento adotado pelo motorista da linha não foi adequado e o recomendado. O órgão vai apurar o que aconteceu. O conselheiro Paulo Aparecido de Souza informou a Tânia, mãe dos menores, que eles terão de comparecer ao Clube do Nais, localizado na estrada que liga Sorocaba a Votorantim. Para o delegado da Infância e da Juventude (Diju), José Augusto de Barros Pupin, o comparecimento do casal no Nais ajudará a família solucionar o problema envolvendo o direito ao passe de ônibus.
Bons alunos
Os irmãos são bons alunos na 'João Clímaco'. O pai, o catador de material reciclado Aparecido Pereira, orgulha-se ao exibir um certificado, emitido pela própria escola, àqueles com as melhores notas. "Nunca reprovaram um ano sequer. São inteligentes e bem educados também", argumentou.
Pereira vive com a esposa e os três filhos, com uma renda mensal inferior a um salário mínimo. "Tem vez que ele consegue só R$ 300", contou Tânia. "Já perdi a conta de quantas vezes fui atrás do bendito passe de ônibus, que é de direito dos meus filhos, pois estudam em uma escola distante de onde moramos, mas não consigo. Fui na Prefeitura, na Delegacia Regional de Ensino, no Conselho Tutelar, procurei dois deputados estaduais, além de alguns vereadores. Ninguém nos ajuda. É difícil viver assim", relatou a dona-de-casa.
by Gustavo Ferrari