Aldo V. Silva/Vista aérea da 'Dr. Antônio de Souza Neto'
Denúncias do Cruzeiro do Sul, sobre a existência de um 'hotel de luxo' na Penitenciária 'Dr. Antônio de Souza Neto', a P-2 de Aparecidinha - que sofreu uma 'varredura' por 40 homens do Grupo de Intervenção Rápida (GIR), na manhã da segunda-feira, dia 18 -, fizeram a Secretaria de Administração Penitenciária (SAP) derrubar toda a diretoria da unidade prisional.
A partir de agora, Marcelo Ferroni Persike, que estava na Cadeia Pública de Americana, assume o comando do presídio. Um áudio exclusivo de quem participou da operação foi obtido pelo jornal e está disponível no site www.cruzeirodosul.inf.br. A situação criou um clima de instabilidade no gabinete do titular da SAP, Lourival Gomes.
Persike assume a vaga de Cássio Ribeiro de Campos, então diretor-geral da P-2 até os fatos virem a público. O GIR apreendeu 21 celulares, além de porções de cocaína, quantias em dinheiro, TVs de LCD, notebookes, modems 3G, DVDs, incluindo alguns de pornografia, aparelhos de MP3, diversas garrafas de coca-cola e até uma cama box no formato 'king size'. Nos computadores apreendidos, os presos acessavam sites de pornografia e pedofilia.
Um dos agentes do GIR, ouvido pelo Cruzeiro, confirmou a informação dada com exclusividade pelo jornal e repercutida durante toda a semana passada. "Os agentes carcerários estavam fazendo um caixa... cobrando uma mensalidade dos presos para usarem essa academia. Apreendemos um televisor por cela. E na maioria das celas, que têm dez presos, tinha dez televisores (corrige), sete televisores. Apreendemos uma vasta coleção de DVDs pornográficos e jogos de carteado. Chegamos a perguntar para os agentes: O que significa tudo isso aqui? Os agentes viraram para a nossa cara e disseram: Não sabemos de nada!", ressaltou um dos funcionários da SAP que atuou na operação. "Esse presídio possui presos diferenciados; presos de 'seguro', que não oferecem riscos à população. Por isso que o que vimos lá dentro foi anormal. Não era para estar assim. Só havia visto conteúdos assim em presídios dominados pelo PCC", assegurou.
Coordenador visitou unidade
O coordenador das Unidades Prisionais da Região Central, José Reinaldo da Silva, confirmou ao Cruzeiro, na tarde de ontem, a troca de toda a diretoria da P-2. Ele mesmo esteve na unidade, pessoalmente, na quinta-feira, para comprovar o material encontrado e apreendido com os internos.
Há 10 anos o local não registra tentativas de fuga ou rebelião. Muitos dos internos que lá se encontram passam o dia no regime semiaberto, trabalhando em convênios com empresas privadas, incluindo a Prefeitura de Sorocaba.
O juiz da Vara de Execuções Criminais, José Eduardo Marcondes Machado, informou ao Cruzeiro que a audiência realizada com o diretor do Centro de Detenção Provisória de Aparecidinha (CDP), Márcio Coutinho -, responsável pela coordenação do GIR -, e o então diretor-geral da P-2, Cássio Ribeiro de Campos, foi o início de um procedimento administrativo aberto para apurar as irregularidades encontradas dentro da unidade. O promotor Eduardo Francisco dos Santos Júnior acompanhou as oitivas.
Imagens da operação feitas pelo próprio GIR serão anexadas a um inquérito policial que será instaurado pela Polícia Civil. Marcondes Machado lembrou que a apuração da Vara de Execuções Criminais corre em paralelo com a da Corregedoria da SAP. O magistrado, no entanto, garantiu que Coutinho e Campos negaram, em juízo, a apreensão da cama box, dos computadores e dos televisores.
O Cruzeiro conversou, ainda, com presos que trabalham no regime semiaberto. Eles falaram que a maioria dos produtos divulgados pelo jornal "realmente estava dentro das celas". "Era tudo liberado lá. Bastava levar coca-cola, a nossa moeda de troca", revelou um deles.
O jornal tentou localizar, inclusive, algumas pessoas que postaram comentários à respeito da operação no portal on-line. Muitos dos telefones deixados como referência são inexistentes; outros, são da própria P-2. Os nomes colocados nas postagens, checados pela reportagem, não batem com a descrição do indivíduo na identificação obrigatória do portal.
Lei de Execuções Penais não é cumprida
O Sindicato dos Funcionários do Sistema Prisional do Estado de São Paulo (Sifuspesp) acusa a Secretaria de Administração Penitenciária (SAP) de não cumprir, em sua integridade, a Lei de Execuções Penais (LEP).
De acordo com o presidente da entidade, João Rinaldo Machado, o sindicato "não defende" ações irregulares ou corruptas, nem compactua com a ideia de que se ofereça qualquer tipo de regalia aos detentos. "Nosso papel é defender os direitos legais dos servidores do sistema prisional. Também não concordamos com regalias aos servidores penitenciários, por isso lutamos por salários dignos e condições de trabalho. Tudo dentro da lei."
Para ele, há informações "inverídicas" sobre a realidade na Penitenciária 'Dr. Antônio de Souza Neto', a P-2 de Aparecidinha. "Não cremos que os repórteres tenham inventado tais acontecimentos, e sabemos da dificuldade em se comprovar in loco informações relativas às unidades prisionais, onde o acesso é proibido. Cremos, no entanto, que a 'fonte' utilizada para a reportagem não quis passar apenas os acontecimentos verdadeiros, e sim, de certa forma, desmoralizar não só os trabalhadores daquela unidade prisional, mas também o sistema prisional como um todo."
Machado disse que informações da própria Coordenadoria dos Estabelecimentos Prisionais da Região Central davam conta de denúncias sobre irregularidades naquela penitenciária.
A apuração de tais denúncias foi feita através de revista, com participação do GIR. "Segundo apuramos com os próprios funcionários da unidade, não foram achados notebookes, camas king size ou vários televisores de LCD nas celas."
Conforme informou ao Cruzeiro do Sul, havia um aparelho de TV LCD na unidade, localizado não em cela, mas numa área de uso comum aos detentos. "Esse aparelho de TV não entrou escondido na penitenciária. Ele ali estava autorizado pela direção da unidade prisional", ressaltou. "Para quem não sabe, o uso de aparelhos televisores normais (de tubo) também é comumente autorizado pela SAP, no número máximo de um por cela", acrescentou.
Investigações
O presidente do Sifuspesp concorda que as irregularidades encontradas na P-2 devem ser alvo de investigações feita pela Coordenadoria Central da SAP.
"Uma correta investigação sobre o caso é de interesse não apenas da sociedade e do governo, mas sobretudo dos servidores prisionais paulistas e deste sindicato, que prezam pela dignidade da profissão já tão marcada pelo preconceito dos que, por ignorância ou má-fé, não se preocupam em separar o joio do trigo."
Ele informou "que há pessoas que querem transformar o sistema prisional paulista em algo ainda pior do que já está". "Há irregularidades? Então a secretaria, seus coordenadores e seus diretores devem ser cobrados por elas. Não se pode simplesmente jogar nas costas dos funcionários todas as mazelas do sistema. Não se pode achar que 'punir por punir' resolverá os problemas das unidades prisionais. Tem que se mudar a política empregada pelo governo, que transformou a superlotação carcerária (unidades com o dobro ou até o triplo de presos além de sua capacidade) em regra e, por outro lado, não contrata o número correto de funcionários para esse trabalho. A responsabilidade nesse episódio precisa ser apurada, e os erros punidos", finalizou.
O Cruzeiro procurou, por três vezes, o presidente do Sindicato dos Agentes de Segurança Penitenciária do Estado de São Paulo (Sindasp), Cícero 'Sarnei' dos Santos, para que expusesse a sua opinião sobre os fatos, principalmente sobre a atuação do GIR dentro da P-2. Porém, ele não retornou às ligações da reportagem.
by Gustavo Ferrari