
No acógule de sentimentos que se esvaíram no deserto das terminações nervosas, uma fada se enche de boa vontade para esclarecer um aborrecido acontecimento: ela tenta, em vão, demonstrar que Allu, um dragão, está infeliz sem ter razão.
Filho de Alonso, o mais temido réptil de Komodo das Ilhas Hálea, Allu é impulsivo, complexado e inquieto. Gosta de demonstrar, em sua arteira ferocidade, a ganância de um desbravador, que caça sem compaixão.
Alexandro, o habitante mais conhecido da ilha, pede a Katry, a fadinha que conhecera ainda do berço da maternidade de Lyon, na França, que interceda por Allu e devolva-lhe a bondade. Mas a fada está irritada.
Ela não aceita ajudar Alexandro, que a implora constantemente, dia e noite. De fato, Katry quer ajudar Allu, mas o orgulho que desdenha a vilã é maior do que o farto coração que possui.
"Não, não e não! Enough is enough, Alex. Você sabe que não te devo mais favores. Se queres uma ação bondosa, faça acontecê-la", resmungou a "sininho" de Hálea.
"Não sei por que ainda te procuro", respondeu Alexandro, revoltado. "Você me procura quando precisa e não me devolve a gratidão de suportá-la nos minutos mais complicados das minhas tarefas", disparou.
Tanto Allu, quanto Alexandro e Katry querem, desejam, esboçam, mas não crêem, que a verdade aliada a bondade mais o espírito de caridade fazem, e não há outra lógica que diga o contrário, a paz reinar em Hálea.
Assim, a fadinha, que se diz malcriada por causa de uma maldição deixada por sua vó, a mística Krenn de La Nuteau, no sudeste de Paris, reclama que ninguém a ajuda resolver seus próprios problemas.
"Mas, você tem poder e não eu", argumenta Allu. "Sim, isso é verdade, mas é você quem tem que resolver a sua questão amorosa, e não pedir para uma fada fadada ao desastre psicológico tentar uma solução insolucionável", reclama a "sininho".
Na outra vida, digo, antes de nascer em uma maternidade de Lyon, Katry esperava que viveria uma vida de princesa de Mônaco. Queria ser a socialite de Monte Carlo e não apenas uma fada qualquer.
Mas, o destino pregou uma peça ao princípios desejáveis de Katry. Krenn, quando viu a neta nascer, pediu a Olleas, um bruxo-mago de Montmartre, que a desse poderes mágicos para mudar o que podia ser mudado, desde que houvesse compreensão e reciprocidade.
Katry desobedeceu os ensinamentos que aprendera na infância e recebeu uma punição: cresceu com um defeito em uma de suas asinhas, que a impede, até hoje, de voar sem ser impulsionada.
E Allu, sempre que a procura, joga isso em sua cara. "Nada dá certo, porque você é defeituosa", apimenta o lagarto, que sofre uma ilusão sentimental. Mas a fada, que sabe de todos os problemas, exita em ajudá-lo, justamente por causa dos deboches que recebe do dragãozinho.
Alexandro, que estuda em um seminário em Hálea e gosta das bobagens que Allu fala quando está próximo a Katry, já pediu a Alonso que aja sobre o filho todas as vezes que ele critica e maltrata a coitada da fada.
Alonso já chegou ao ponto de cortar a alimentação do filho, que de nada adiantou. "Ele é egoísta mesmo, meu caro Alex. Tente você convencer a tua amiga que voa desequilibrada a ajudá-lo, não a mim", explanou o temido réptil.
Katry sabe que tanto Alex quanto Allu a têm como uma amiga, mas quer mais: necessita ser bajulada e paparicada. Os dois não fazem porque não querem, mas porque não a deixam perceber que, quanto mais eles a mimam, mais ela pisa neles.
"Somos idiotas ou deixamos transparecer isso", pergunta Allu a Alex. "Nem uma coisa nem outra. Amamos a Katry, por isso ela nos machuca", rebate Alex.
Com o fim da seca em Hálea, os dois partem para o mar. Alexandro quer descansar e Allu, esquecer os pedidos que fizera a Katry. Ambos sabem que a fada quer, na verdade, atenção.
by Gustavo Ferrari