domingo, 4 de novembro de 2007

Sonhos de uma Fada Malcriada


No acógule de sentimentos que se esvaíram no deserto das terminações nervosas, uma fada se enche de boa vontade para esclarecer um aborrecido acontecimento: ela tenta, em vão, demonstrar que Allu, um dragão, está infeliz sem ter razão.

Filho de Alonso, o mais temido réptil de Komodo das Ilhas Hálea, Allu é impulsivo, complexado e inquieto. Gosta de demonstrar, em sua arteira ferocidade, a ganância de um desbravador, que caça sem compaixão.

Alexandro, o habitante mais conhecido da ilha, pede a Katry, a fadinha que conhecera ainda do berço da maternidade de Lyon, na França, que interceda por Allu e devolva-lhe a bondade. Mas a fada está irritada.

Ela não aceita ajudar Alexandro, que a implora constantemente, dia e noite. De fato, Katry quer ajudar Allu, mas o orgulho que desdenha a vilã é maior do que o farto coração que possui.

"Não, não e não! Enough is enough, Alex. Você sabe que não te devo mais favores. Se queres uma ação bondosa, faça acontecê-la", resmungou a "sininho" de Hálea.

"Não sei por que ainda te procuro", respondeu Alexandro, revoltado. "Você me procura quando precisa e não me devolve a gratidão de suportá-la nos minutos mais complicados das minhas tarefas", disparou.

Tanto Allu, quanto Alexandro e Katry querem, desejam, esboçam, mas não crêem, que a verdade aliada a bondade mais o espírito de caridade fazem, e não há outra lógica que diga o contrário, a paz reinar em Hálea.

Assim, a fadinha, que se diz malcriada por causa de uma maldição deixada por sua vó, a mística Krenn de La Nuteau, no sudeste de Paris, reclama que ninguém a ajuda resolver seus próprios problemas.

"Mas, você tem poder e não eu", argumenta Allu. "Sim, isso é verdade, mas é você quem tem que resolver a sua questão amorosa, e não pedir para uma fada fadada ao desastre psicológico tentar uma solução insolucionável", reclama a "sininho".

Na outra vida, digo, antes de nascer em uma maternidade de Lyon, Katry esperava que viveria uma vida de princesa de Mônaco. Queria ser a socialite de Monte Carlo e não apenas uma fada qualquer.

Mas, o destino pregou uma peça ao princípios desejáveis de Katry. Krenn, quando viu a neta nascer, pediu a Olleas, um bruxo-mago de Montmartre, que a desse poderes mágicos para mudar o que podia ser mudado, desde que houvesse compreensão e reciprocidade.

Katry desobedeceu os ensinamentos que aprendera na infância e recebeu uma punição: cresceu com um defeito em uma de suas asinhas, que a impede, até hoje, de voar sem ser impulsionada.

E Allu, sempre que a procura, joga isso em sua cara. "Nada dá certo, porque você é defeituosa", apimenta o lagarto, que sofre uma ilusão sentimental. Mas a fada, que sabe de todos os problemas, exita em ajudá-lo, justamente por causa dos deboches que recebe do dragãozinho.

Alexandro, que estuda em um seminário em Hálea e gosta das bobagens que Allu fala quando está próximo a Katry, já pediu a Alonso que aja sobre o filho todas as vezes que ele critica e maltrata a coitada da fada.

Alonso já chegou ao ponto de cortar a alimentação do filho, que de nada adiantou. "Ele é egoísta mesmo, meu caro Alex. Tente você convencer a tua amiga que voa desequilibrada a ajudá-lo, não a mim", explanou o temido réptil.

Katry sabe que tanto Alex quanto Allu a têm como uma amiga, mas quer mais: necessita ser bajulada e paparicada. Os dois não fazem porque não querem, mas porque não a deixam perceber que, quanto mais eles a mimam, mais ela pisa neles.

"Somos idiotas ou deixamos transparecer isso", pergunta Allu a Alex. "Nem uma coisa nem outra. Amamos a Katry, por isso ela nos machuca", rebate Alex.

Com o fim da seca em Hálea, os dois partem para o mar. Alexandro quer descansar e Allu, esquecer os pedidos que fizera a Katry. Ambos sabem que a fada quer, na verdade, atenção.

by Gustavo Ferrari